Em 28 de junho de 2019, precisamente 20 anos após os Chefes de Estado e de Governo do Mercosul e da União Europeia lançarem negociações para um Acordo de Associação Birregional, as partes chegaram a um acordo político sobre o pilar comercial.
Após uma fase inicial, suspensa em 2004 após trocas de ofertas de bens consideradas insatisfatórias por ambas as partes, as negociações foram retomadas em 2010 por ocasião da Cúpula Mercosul-UE em Madri e intensificadas a partir de maio de 2016, quando Mercosul e a UE trocaram ofertas de acesso a seus respectivos mercados de bens, serviços, investimentos e compras governamentais. Em 18 de junho de 2020, as partes concluíram as negociações dos pilares político e de cooperação do Acordo de Associação.
O acordo comercial com a UE constituirá uma das maiores áreas de livre comércio do mundo ao integrar um mercado de 780 milhões de habitantes e aproximadamente a quarta parte do PIB global. O acordo trará resultados expressivos para a economia brasileira: a SECEX estima incremento do PIB brasileiro de US$ 87,5 bilhões em 15 anos, podendo chegar a US$ 125 bilhões se consideradas a redução das barreiras não-tarifárias e o incremento esperado na produtividade total dos fatores de produção. O aumento de investimentos no Brasil, no mesmo período, será da ordem de US$ 113 bilhões. Com relação ao comércio bilateral, as exportações brasileiras para a UE apresentarão quase US$ 100 bilhões de ganhos até 2035.
Pela sua importância econômica e a abrangência de suas disciplinas, é o acordo mais amplo e de maior complexidade já negociado pelo Mercosul. O Imposto de Importação será eliminado para mais de 90% dos bens comercializados entre os países dos dois blocos após um período de transição de até 15 anos, com regras de origem que favorecem a maior integração da economia brasileira às cadeias de valor. Além disso, o acordo prevê abertura, maior transparência e segurança jurídica nos mercados de serviços, investimentos e compras governamentais, bem como redução de barreiras não tarifárias e consolidação de agenda de boas práticas regulatórias, ademais do estabelecimento de disciplinas modernas na área de facilitação de comércio e propriedade intelectual, entre outros temas.
No momento, os textos do acordo estão submetidos ao processo de revisão jurídica, chamado legal scrubbing. Concluída essa etapa, os textos estarão prontos para sua assinatura formal e, subsequentemente, para os procedimentos internos de aprovação parlamentar que permitirão a ratificação do acordo e sua efetiva entrada em vigor.
TEMAS ABORDADOS
Comércio de Bens
O capítulo de bens estabelece uma área de livre comércio entre o Mercosul e a União Europeia e conta com dispositivos normativos modernos, construídos a partir dos principais compromissos multilaterais sobre o comércio de bens. Nesse sentido, o capítulo disciplina, no âmbito comércio birregional, temas como tratamento nacional, taxas e outros encargos sobre importações e exportações, procedimentos de licenciamento de importação exportação, tributos incidentes sobre exportação, empresas estatais, bens reparados, entre outros.
Relativamente às preferências tarifárias previstas nos anexos ao capítulo de bens, após o prazo de desgravação previsto no acordo, 92% das importações originárias do MERCOSUL e 95% das linhas tarifárias entrarão livres de tarifas na UE; colocando esses dados em perspectiva, antes do acordo apenas 24% das exportações do MERCOSUL, em termos de linhas tarifárias, entravam livres de tarifas na UE antes do acordo. Por sua vez, o MERCOSUL liberalizará 91% das importações originárias da UE e de suas linhas tarifárias após a desgravação prevista no acordo.
As preferências tarifárias concedidas pela UE estão divididas em cestas de desgravação de até 10 anos, além dos casos particulares de desgravações parciais, como quotas e preferências fixas; as preferências concedidas pelo Mercosul, por sua vez, possuem desgravação de até 15 anos, além das desgravações parciais.
A UE eliminará 100% de suas tarifas industriais em até 10 anos, ao passo que o Mercosul eliminará 91% de tarifas industriais em termos de linhas tarifárias e de comércio em até 15 anos. No que se refere ao setor agrícola, a UE dará acesso preferencial ao Mercosul, em livre comércio ou desgravações parciais, a praticamente todos os seus produtos agrícolas em termos de cobertura e a 97% das linhas tarifárias, ao passo que o Mercosul dará acesso preferencial à UE a 98% do comércio e 96% das linhas tarifárias.
A oferta relacionada ao comércio de bens está disponível em “Textos e outros documentos do Acordo”.
Regras de Origem
O capítulo sobre Regras de Origem disciplina normativa moderna, pautada no princípio de facilitação de comércio, garantindo que os operadores econômicos das Partes sejam os reais beneficiários das preferências negociadas. Nesse sentido, definiu-se arcabouço producente para prevenir e combater irregularidades e fraudes relacionadas à obtenção de tratamento tarifário preferencial. Foram negociados requisitos específicos de origem para todo o universo tarifário.
Facilitação de Comércio
O capítulo conta com disposições importantes de facilitação em diversas áreas, contribuindo para potencializar as oportunidades trazidas pelo acordo de livre comércio entre os dois blocos.
Vale ressaltar os compromissos sobre transparência, cooperação entre autoridades aduaneiras, despacho de bens perecíveis, decisões antecipadas, trânsito aduaneiro, operadores econômicos autorizados (OEA), guichês únicos, uso de tecnologias no despacho aduaneiro, admissão temporária e gestão de risco.
Pequenas e Médias Empresas
Em reconhecimento à contribuição prestada pelas micro, pequenas e médias empresas (MPMEs) para o comércio, o crescimento econômico, o emprego e a inovação, e a fim de reduzir o impacto das barreiras não tarifárias sobre essas empresas, o capítulo prescreve o intercâmbio de informações e a criação de coordenadores de MPMEs, que deverão desenvolver e implementar um programa de trabalho destinado, entre outras coisas, a apoiar os esforços de internacionalização das MPMEs.
Serviços
O tratamento de investimentos e do comércio de serviços no está contido em um capítulo normativo e em listas de compromissos de cada Parte. Os dispositivos estão em linha com as disciplinas da OMC e cobrem os quatro modos de prestação de serviços: comércio transfronteiriço, consumo no exterior, presença comercial e movimento temporário de pessoas físicas.
Os compromissos assumidos buscam evitar a discriminação de prestadores de serviços e investidores estrangeiros em favor dos nacionais, bem como a imposição de barreiras quantitativas à entrada desses prestadores de serviços e investidores. Amplia-se a transparência e a segurança jurídica para prestadores de serviços e investidores que realizarem negócios e concretizarem investimentos em ambos os blocos.
A oferta relacionada a serviços está disponível em “Textos e outros documentos do Acordo”.
Compras Governamentais
Ao assumir compromissos em relação aos mercados de compras públicas, as Partes garantem maior concorrência e acesso nas licitações públicas domésticas, bem como a incorporação de padrões internacionais na área de transparência, resultando na melhoria da qualidade dos bens e serviços à disposição da administração pública e na economia de recursos públicos.
O Acordo garante que os fornecedores de bens e serviços de cada Parte serão tratados como se fossem domésticos nas licitações realizadas pela contraparte. As obrigações do marco normativo aplicam-se às ofertas das Partes, composta de anexos que devem ser lidos cumulativamente: Entidades; Bens, Serviços, Obras Públicas (estes 3 anexos sujeitos a patamares que representam valores acima dos quais determinada licitação estará coberta pelo acordo); e Notas Gerais.
A oferta relacionada a compras governamentais está disponível em “Textos e outros documentos do Acordo”.
Propriedade Intelectual
Em geral, o capítulo sobre Propriedade Intelectual consolida e reafirma padrões de proteção internacionais que já orientam a legislação doméstica. Compromissos logrados nas áreas de patentes, marcas, desenho industrial e direitos autorais apoiarão o processo de modernização do marco jurídico brasileiro de propriedade intelectual.
Como novidade, o Acordo traz o reconhecimento mútuo de indicações geográficas, mediante prazo adequado para readequar a produção doméstica.
Empresas Estatais
O capítulo sobre empresas estatais busca garantir que essas empresas atuem com base em considerações comerciais, ao mesmo tempo em que reconhece sua natureza especial, ao permitir que elas deixem de atuar com base em considerações comerciais sempre que necessário para cumprir o seu mandato ou objetivo público.
O capítulo não cria qualquer impedimento para que as empresas estatais desempenhem os serviços públicos de sua responsabilidade.
Solução de Controvérsias
O capítulo sobre solução de controvérsias do Acordo MERCOSUL-UE amplia os mecanismos à disposição do Brasil para a resolução de disputas comerciais com a União Europeia.
Fica preservado o direito de recurso aos mecanismos da OMC.
Comércio e Desenvolvimento Sustentável
Nesse capítulo específico, as Partes reiteram seus compromissos em relação aos acordos multilaterais ambientais, incluindo os da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima e Acordo de Paris, e a outros objetivos em matéria de conservação e uso sustentável da biodiversidade e das florestas, respeito aos direitos trabalhistas e proteção dos direitos das populações indígenas.
O princípio da precaução foi incluído, no que diz respeito ao desenvolvimento sustentável (meio ambiente) e à segurança e saúde no trabalho, desde que não seja aplicado indevidamente para a imposição de barreiras injustificadas ao comércio.
Barreiras Técnicas ao Comércio
O Capítulo de Barreiras Técnicas ao Comércio estabelece disciplinas que vão além dos compromissos assumidos na OMC em relação a regulamentos técnicos, normas e procedimentos de avaliação da conformidade. Inclui procedimentos com vistas à negociação de iniciativas facilitadoras de comércio (IFC) e à possibilidade de discussão de temas que impactam negativamente o comércio entre as Partes, além de dispositivos sobre transparência, inclusive incentivo à realização de análises de impacto regulatório e de consultas públicas. Versa ainda sobre rotulagem e cooperação e assistência técnica.
Automotivo
O Anexo Automotivo prevê a aceitação de relatórios de ensaios para os requisitos previstos na legislação doméstica com referência ou incorporação integral de Regulamento das Nações Unidas. Inclui ainda disciplinas de transparência e cooperação. A lista de Regulamentos objeto de aceitação de relatórios de ensaios consta do Anexo 1.
Defesa Comercial e Salvaguardas Bilaterais
O Acordo de Associação Mercosul-União Europeia prevê disposições sobre mecanismos multilaterais de defesa comercial (Chapter on trade Defense and Global Safeguards), bem como sobre salvaguardas bilaterais (Chapter on Bilateral Safeguard Measures).
Os mecanismos multilaterais de defesa comercial consistem nas medidas antidumping, medidas compensatórias e salvaguardas globais, não se confundindo, portanto, com o instrumento das salvaguardas bilaterais. Destaque-se que os critérios para aplicação dos mecanismos multilaterais de defesa comercial e das salvaguardas bilaterais são válidos para todos os tipos de bens, sem distinção.
O Chapter on trade Defense and Global Safeguards reafirma os direitos e deveres previstos nos correspondentes acordos da OMC (Acordo Antidumping, Acordo sobre Subsídios e Medidas Compensatórias e Acordo de Salvaguardas), ao mesmo tempo em que estabelece disposições que vão além dos compromissos firmados no âmbito multilateral. Esses dispositivos WTO Plus versam, majoritariamente, sobre transparência nas investigações e possibilidade consultas informais, em especial no âmbito de investigações de salvaguardas globais, havendo também disposições sobre regra do menor direito, compromissos de preços e revisões de final de período.
Por sua vez, o Chapter on Bilateral Safeguard Measures regulamenta o uso de salvaguardas bilaterais no âmbito deste acordo comercial, as quais apenas poderão ser aplicadas durante o período de transição, qual seja 12 anos contados da data de entrada em vigor do Acordo ou 18 anos, no caso de produtos cuja desgravação tarifária esteja prevista para ocorrer em 10 anos ou mais. As medidas de salvaguardas bilaterais poderão consistir i) na suspensão temporária do cronograma de desgravação tarifária para o produto sujeito à medida ou ii) na temporária redução (parcial ou total) da margem de preferência tarifária vigente para o produto sujeito à medida. Essas medidas poderão ser aplicadas por um prazo de até 2 anos, prorrogável uma única vez por período idêntico ao período inicial de aplicação, no máximo, mediante procedimento de revisão. Para que uma medida de salvaguarda bilateral possa ser reaplicada sobre um mesmo produto, deverá ser respeitado intervalo de tempo equivalente, no mínimo, a metade do período total em que a medida anterior ficou em vigor.
Fonte: Governo Federal do Brasil